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NOS TRILHOS DA CULTURA: Cia Paulista e a efervescência cultural em Rio Claro (1947-1969)

Sandra Baldessin

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   O primeiro marco do desenvolvimento do interior paulista foi a implantação da ferrovia, cuja finalidade era suprir as demandas geradas pela expansão da cultura cafeeira, mais especificamente, o escoamento da produção até o porto de Santos. Assim, os extraordinários lucros obtidos com o café justificaram a criação da “primeira companhia brasileira com capital estritamente nacional (...) e vinte e cinco dos seus acionistas possuíam propriedades em São João Batista do Ribeirão Claro” (SANTOS, 2002, p.).

 

   A inauguração da linha férrea na cidade de Rio Claro ocorreu em agosto de 1876. Em 1892, foram instaladas as Oficinas da Cia Paulista de Estradas de Ferro, que impulsionaram a organização sociocultural dos trabalhadores ferroviários (SANTOS, 2002).

 

  As Oficinas influenciaram não apenas a aprendizagem formal da mão-de-obra ferroviária, mas contribuíram para uma mudança significativa nos cenários culturais da cidade de Rio Claro com o surgimento da União dos Artistas Ferroviários (1896), que originou o Grêmio Recreativo dos Empregados da Cia Paulista (1906); formação de uma biblioteca; criação do “Cineminha da Paulista” (final dos anos 1940) e de grupos de teatro (SANTOS, 2002; SOUZA, 2004; PIMENTEL NETO, 2009).

 

   Originalmente, as atividades de difusão cultural eram destinadas apenas aos ferroviários e às suas famílias; mas a partir da década de 1950, foi franqueado o acesso da população rio-clarense às atividades culturais promovidas pelos ferroviários - cinema, teatro, shows.

 

   Com o acesso dos trabalhadores de outros ramos e de suas famílias às atividades culturais vinculadas à Cia Paulista de Estadas de Ferro de Rio Claro pode-se dizer que ocorreu a primeira inclusão da classe operária rio-clarense no universo cultural-artístico, com disponibilização de bens culturais a uma parcela da população que, de outra forma, não poderia fruir esses benefícios.

 

A Biblioteca

  Segundo depoimento do Sr. Osmair Rodrigues Pereira, entrevistado  para elaboração deste artigo, a formação da biblioteca teve como mentores o engenheiro Pelágio Rodrigues dos Santos e o Sr. Rafael Raya. Contava com milhares de exemplares de variados gêneros e estava à disposição de todos os ferroviários.

 

   O Sr. Atílio Parente, avô do entrevistado e funcionário aposentado da Cia Paulista de Rio Claro, tomava conta da biblioteca, bem como outros aposentados que se revezavam nos cuidados com os equipamentos culturais dos ferroviários. Conforme relato do Sr. Osmair: “Meu avô ficou sócio para que a família e os netos pudessem frequentar; livro era coisa que a gente não tinha em casa, não tinha hábito de comprar.”

 

Cine-Teatro dos Ferroviários

   O Cineminha da Paulista teve na figura do engenheiro Fernando Betim Paes Leme - chefe das Oficinas da Companhia Paulista de Rio Claro na década de 1940 - o seu grande incentivador. O Cine-Teatro dos Ferroviários desenvolveu-se a partir da organização de uma entidade cineclubista, surgida em 1948 (PIMENTEL NETO, 2009)

 

   Em 1950, a sala de exibições foi reformada, permitindo a inclusão deatividades teatrais. Com a inauguração do palco que permitiu as atividades cênicas surgiu o “Teatro do Ferroviário”, fundado por Domingos Fernandes, reunindo uma troupe de atores que apresentou peças não apenas em RioClaro, mas em diversas cidades da região, disseminando a magia do teatro através dos trilhos da estrada de ferro (SOUZA, 2004).

 

  Na década de 1950, destacam-se os nomes do diretor Cérjio Mantovani e dos atores Belmiro de Almeida, Irineo Trivilato, Adelina Mantovani, Willian Holland, Lídio Bertolini, Aracy Stein, Ruy Gouveia, entre outros. Também se agregaram atores que não estavam no quadro de empregados da Cia Paulista de Rio Claro (SOUZA, 2004).

 

   Segundo Souza (2004), o Teatro Ferroviário recebeu espetáculos nacionais e internacionais consagrados nos grandes palcos do Estado de São Paulo, incluindo a Orquestra Show Boliviana, a Orquestra Húngara GaborRadichs, além de inesquecíveis shows de Francisco Alves e Dalva de Oliveirae do Coral Masculino Rio-Clarense, dirigido por Dagmar Fritz Eichemberger.

 

   Nosso entrevistado, Sr. Osmair Rodrigues Pereira, integrou o grupo de atores entre os anos de 1959 e 1961, juntamente com Edgar Ribeiro, Helio Matos, João e Alice Andrade, Toninho Iamondi, Eduardo Lotumulo, Ruy Gouveia e Afonso César, que coordenava o grupo à essa época.

 

   Segundo depoimento do Sr. Osmair, à época em que atuou o grupo se apresentava no Cineminha da Paulista, na Casa de Nossa Senhora, na Sociedade Dançante Cidade Nova (SDD Cidade Nova) e no Grêmio Recreativo, além de ter viajado por cidades da região, como Limeira, São Carlos e Campinas.

 

   Com emoção, o Sr. Osmair, hoje aposentado e um dos moradores antigos do bairro Cidade Nova, conta que em Campinas levaram a peça “O filho do palhaço”, uma tragicomédia: “Nós fomos aplaudidos de pé, porque todo mundo riu e chorou com a história que nós encenamos”.

 

   Ele explica que: “tudo era confeccionado aqui em Rio Claro mesmo, roteiro das histórias, cenário, figurino, tudo completo.”

 

   Ainda, segundo seu relato:

 

“A  gente  era  muito dedicado nos ensaios, todos os atores se dedicavam de todo o coração. Alguns, como o Ruy Gouveia se desenvolveram na profissão de ator, outros como eu faziam por hobby. Havia muito respeito, a gente era como uma família, pessoas de várias idades, mas todo mundo se respeitava."

 

   O Sr. Osmair narrou que seu interesse pela arte de representar surgiu por frequentar o Cineminha da Paulista, onde assistiu grandes filmes, como “O Fantasma”, filmes com as cantoras Emilinha e Marlene e também filmes que contavam histórias de ferroviários. O entrevistado ficou comovido ao recordar o filme “O trem não pode parar”, e concluiu: “Mas, parou, né, e parou pra atrasar o Brasil”. Em 1969, depois de mais de duas décadas de atividades, o Cineminha da Paulista chegou ao fim. Encerrava-se uma época de grande efervescência cultural, que marcou a vida e a história dos trabalhadores rio-clarenses e de suas famílias.

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

PIMENTEL NETO, J.B. História da exibição cinematográfica em Rio Claro. In: Observatório Cineclubista Brasileiro.

Disponível em: http://www.culturadigital.br/cineclubes/?page_id=573. Acesso em 27 dejaneiro de 2010.

 

RODRIGUES PEREIRA, O. Entrevista de história oral, concedida em  11 de fevereiro de 2010.

 

SANTOS, F.A. Rio Claro: uma cidade em transformação. São Paulo: Annablume, 2002.

 

SOUZA, R.A. Difusão Cultural nos meios ferroviários de Rio Claro. In: Anais da Pré-jornada Nacional de Cineclubes.

Rio Claro, 28 de abril a 2 de maio de 2004.

Sandra Baldessin sbaldessin@gmail.com

Escritora. Profissional de Letras. Possui cursos de extensão nas áreas de História Oral e Arteterapia. Criou e coordena, junto à faculdade da Terceira Idade Claretianas Rio Claro, o projeto “Terapia Literária”, que integra o Programa Nacional do Livro e da Leitura – PNLL.

 

 

Seus textos são:

Nos trilhos da Cultura: Cia Paulista e a efervescência cultural em Rio Claro (1947-1969) 8 de junho de 2015
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