UM OLHAR GREGO SOBRE A CRISE NA GRÉCIA
Helena Zarvos
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Olhemos para a crise na Grécia com um olhar diferente do dos economistas,sociólogos,historiadores,jornalistas...enfim...todos os profissionais que de forma competente e metodologicamente correta oferecem diàriamente suas interpetações.
Ousemos um olhar despretensioso porém intimo e cheio de empatia de quem vive o universo helênico desde o ventre da mãe e que assimilou essa maneira de sentir,pensar e atuar no mundo .Isso funciona como uma egrégora que paira sobre nossas mentes e corações e que nos remete, em cada situação a ser desvendada ou criada, a certos padrões de formato milenar dos antiquissimos clãs.
Neles, o pai(pateras) era ao mesmo tempo o sacerdote que se referia aos deuses em beneficio de toda a família, e dessa maneira intermediava a proteção para todos os membros; a lei e o garantidor dos códigos de comportamento esperados numa comunidade onde o bem coletivo sempre imperava sobre o individual.
Era o clã, uma comunidade onde a propriedade não era tanto importante pelo valor econômico (coisa estranha nos primórdios)mas pelo fato de abrigar em seus termos os ossos dos antepassados, seus lares, verdadeiros deuses dentro da hierarquia espiritual e afetiva.
Penso ser necessária essa breve apresentação sobre quem é a pessoa que oferece essa visão porque não deixa de ser uma forma de explicar o que é visto. Nosso olhar e nossa interpretação são seletivos e a fonte do que seleciono para ver e interpretar são as minhas raízes e as convicções filosóficas e políticas admitidas sobre todas as outras ao longo da vida.
Eis portanto quem oferece esse olhar. Uma filha de gregos,com formação em história e paixão pela comprensão do que vivo. Costumo pensar o universo do homem e da mulher gregos comuns de todos os tempos como de seres primordialmente movidos pela emoção. Fortes, afetivos, pouco polidos no sentido da artificialização do comportamente e extremamente cientes de quem são no mundo, de sua autorização intima para serem felizes e vibrantes.
Penso neles também como seres que tem sua história registrada a partir da Peninsula Balcânica e que essa parte do mundo teve mente,olhos e coração como um ser vivo,uno e ao mesmo tempo feito de partes distintas. Os romanos diziam que Atenas e Esparta eram os dois olhos da Grécia. Eu diria que o coração para todos os gregos são as Termópilas. O desfiladeiro das Termópilas onde Leônidas não só enfrentou os persas em episódio e consequências conhecidas de todo o mundo mas onde também deu a seus soldados e ao mundo um claro depoimento a respeito dos valores que defendiam os espartanos, assim como a todos nós as maiores lições sobre o que é ser corajoso.
Conforme ele mesmo,um estudioso do que era o medo,coragem não é o contrário do medo,uma vez que o contrário do medo é o amor. Coragem pode e para ele parece que era ,uma forma de medo também, ou seja o medo de morrer desonrado,sem a glória buscada na forma de doação da própria vida em beneficio da polis. Polis esta que era a síntese de todos os valores acima mencionados. Os deuses, a terra onde dormem os antepassados, a família e seus costumes.
Coragem era para os espartanos o medo de ter que se sujeitar a quem quer que fosse assim como pretendia Dario na planície deMaratona, como tinha certeza de que o conseguiria Xerxes nas Termópilas, como pretendeu Mussolini em tempos modernos que parafraseando o persa assegurou que as baionetas de seus fuzis eram tantas que não permitiriam qualquer resistência. Deu aos gregos um prazo de 3 horas para se renderem.
”Não” foi a resposta tão lacônica quanto a dos antigos espartanos. ”Alors, c'est la guerre”. Isso foi em 28 de outubro de 1940 numa localidade inóspita onde o exercito italiano pretendia invadiar a peninsula e sob um rigorosíssimo inverno,que não demoveu a força dos combatentes os quais sucumbiram apenas com a chegada do aparato bélico de Hitler depois de sete meses.Isso deixou extasiado o mundo todo com a coragem daquele pequeno povo,cuja determinação afastou a possilibilidade de avanço em vários fronts, atrasou o progresso dos alemães e enfim precipitou a vitória dos aliados.
Esse tipo de reação parece ser o caso atualmente,quando o primeiro ministro Alexis Tsiprás, presidente do partido de esquerda, o Synapismos que juntamente com a população grega se rebela contra as demandas dos protocolos e contra as exigências do capital financeiro articulado na Comunidade Européia com desastrosas consequências para o trabalhador dos países periféricos como espanhóis, portugueses, gregos e irlandeses,
Mesmo os franceses sofrem tremendamente os efeitos das políticas defendidas desde a Inglaterra de Margareth Tatcher, o neoliberalismo que reduz os assalariados a condições de perda de dignidade cada vez maior. A esse respeitos ugiro a leitura de “O Horror Economico” de Viviane Forrester, que foi editado no Brasil pela Ed.da Unesp.Já o titulo dá uma dimensão da catástrofe a que os interesses das grandes corporações provocam .
Não temos espaço nesse momento para defender muitas teses... apenas a de que é mister acreditar que os ideais humanos e clássicos defendidos pelos gregos ainda podem e devem ser considerados. Nossa tendência tem sido a de acreditar que o Sistema é soberano e tudo a ele se deve render. Isso, claro, aqui no ocidente e de forma geral,pois há um horizonte além.
Como dizia Raul Seixas, ”a arapuca está armada e o alpiste é tentador.” Ao invés de reagir ao Sistema nos o cobiçamos através de todas as miragens de poder e consumo que nos oferece.
Há poucos dias um eminente economista brasileiro, numa matéria sobre a crise grega, de certa maneira parece culpar os gregos pelo cenário que vivem. “Não há como se gastar mais do que aquilo que se produz” diz, portanto a saída para a crise é aceitar todas as condições impostas e “cair na real”.
Endividados...o caminho é o ajuste doloroso. Pela lógica do capitalismo ele está coberto de razão. Mesmo lembrando que vender dinheiro é altamente interessante para os bancos. Mas como a proposta era mesmo um olhar helênico comprometido com a ousadia clássica dos que não se renderam ao que parecia lógico digamos como bons herdeiros da cultura grega ”Oxi” (Não).
Há sempre uma maneira de caminhar no sentido contrário ao de fortalecer o capitalismo. É só lembrar que seu maior opositor não é esse ou aquele sistema, qual seja no caso, o socialismo marxista,por exemplo. Seu maior inimigo são suas contradições inerentes .O sistema capitalista tem prazo de validade.
Curiosamente a bandeira da UE é branca e azul como a grega. A da União Européia tem um circulo que aprisiona. A da grega tem listas horizontais que podem seu infinitas e uma cruz que no caso é a do cristão oriental ortodoxo, mas quem preferir pode ver ali um ser humano redimido, livre e dono de seu destino.
Helena Zarvos hzarvos@yahoo.com.br
Historiadora e Escritora. Sua família tem origens na Grécia.
Seus textos são: