O MUNDO MELHOR
Helena Zarvos
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Meus pais viajaram muitíssimo enquanto a saúde de ambos permitiu.
Por todo o mundo! Viram,sentiram e conheceram a vida plenamente.
Ambos se foram muito idosos e nos deixaram um belo legado moral.
Sabiam do que estavam falando,no mínimo pela longevidade,não fosse a cultura e conhecimentos acumulados.
Desde sempre,nas viagens pelo interior de S.Paulo, vindo para Lins, ouvimos de minha mãe uma frase dita de um jeito só dela (os erres saídos da ponta da língua).
A frase também parecia estar na ponta da língua em cada percurso feito de carro, olhando a imensidão da paisagem :”Tanta terra... tanta gente passando fome! Podiam dar um pedaço de terra para cada um...”
Dita por meu pai poderia ser ideologia.
Vinda dela a fonte era outra. Era um ser real, profundamente humano e amoroso que vivia naquela aparência frágil e simples.
Apesar de saber de onde vinha essa afirmação, de que coração e de que sentimentos,sempre parecia um pouco fantasioso da parte dela sonhar com isso.
Repenso agora com outra percepção.
Para explicar de onde veio, transcrevo um trecho de um prefácio escrito por Wilhem Reich para a terceira edição em língua inglesa de sua obra “Psicologia de Massas do Fascismo”em agosto de 1942. A primeira edição foi na década de 30.
”Uma longa e árdua prática terapêutica com o caráter humano levou-me à conclusão de que, na avaliação das reações humanas é necessário considerar três níveis diferentes da estrutura biopsiquica. Estes níveis da estrutura do caráter são, conforme tive ocasião de expor na minha obra Analise do Carater, depósitos, com funcionamento próprio, do desenvolvimento social. No nível superficial da sua personalidade o homem médio é comedido, atencioso, compassivo, responsável, consciencioso. Não haveria nenhuma tragédia social do animal humano se este nível superficial da personalidade estivesse em contato direto com o cerne natural mais profundo. Mas infelizmente não é esse o caso:o nível superficial da cooperação social não se encontra em contacto com o cerne biológico profundo do individuo; ela se apoia num segundo nível de caráter intermediário, constituído por impulsos cruéis, sádicos, lascivos, sanguinários e invejosos. É “inconsciente” ou “reprimido” de Freud, isto é, o conjunto daquilo que se designa na linguagem da economia sexual, por “impulsos secundários”.
A biofisica orgonica tornou possível a compreensão do inconsciente freudiano, aquilo que é anti-social no homem, como resultado secundário da repressão de exigências biológicas primárias. E quando se penetrar, através deste segundo nível destrutivo, até atingir os substratos biológicos do animal humano, descobrir-se-a, invariavelmente a terceira camada, a mais profunda, que designamos por cerne biológico. Nesse cerne, sob condições sociais favoráveis, o homem é um animal racional essencialmente honesto, trabalhador, cooperativo que ama e, tendo motivos, odeia. É absolutamente impossível conseguir-se uma flexibilidade da estrutura do carater do homem atual através da penetração desta camada mais profunda e tão promissora, sem primeiro eliminar-se a superfície social espurea e não genuína. Mas ao cair a máscara das boas maneira, o que primeiro surge não é a sociabilidade natural mas sim o nível de caráter perverso-sádico.
É esta infeliz estruturação que é responsável pelo fato de que qualquer impulso natural, social ou libidinoso, provenientes do cerne biológico, seja forçado a atravessar o nível das pulsões secundárias perversas, que o distorcem, sempre que pretenda passar à ação. Esta distorção transforma a natureza originalmente social dos impulsos naturais em perversidade e, deste modo, leva á inibição de todas as manifestações autenticas de vida.
Tentemos transportar esta estrutura humana para a esfera social e políticas”
É fácil descobrir que os diferentes agrupamentos políticos e ideológicos da sociedade humana correspondem aos diferentes níveis da estrutura do caráter humano.....”
Interrompo aqui primeiro para voltar ao inicio e dizer que assim como minha mãe desejou,milhares de pessoas anseiam e expressam o desejo intimo de ver o cerne biológico de Reich transformado numa sociedade solidária e justa.
Depois,numa reflexão menos afetiva,repetir que esse desejo vem sendo manifestado no Brasil e no mundo com insistência nos dias que correm.
A pergunta que todos se fazem com certeza é “ como”?
Há respostas cientificas, ideológicas e religiosas.Não iremos debate-las.
No caso,vale lembrar como queria Reich que “Amor,trabalho e conhecimento são as fontes da nossa vida.Deveriam também governá-la”
Ao longo de suas considerações sobre trabalho vitalmente necessário,de auto gestão e de sua visão do que seja a política,temos a certeza de que é trabalho para ser lido,relido e muito debatido.
Coincidentemente uma recente entrevista do professor e economista Paul Singer trouxe à baila a questão da economia solidária,que a seu ver é a forma de verdadeiramente solucionar as graves questões sociais e econômicas da atualidade .Sua crença me faz pensar se começa a caber no universo do homem e da mulher do século XXI o ideal de cooperação de uma forma tão consistente como foi o de competição e competitividade até agora.
Por quais caminhos conseguiremos chegar a esse mundo melhor tanto e tanto sonhado e de forma tão cândida e genuína nossas mães o desejaram,cabe a cada uma de nós refletir,tomar posição e atuar.
Se através de terapias que nos ajudem a fazer emergir o cerne biológico de Reich,de auto critica e aprimoramento pessoal e cidadão ou se através de ações que promovam esse mundo melhor cada um de nós terá que descobrir.
Só o que não cabe mais é a expressão “apolítico” tão cômoda a quem não gosta de pensar.Se não queremos ser massa temos que estudar e muito para sustentar posição e ser sujeitos de nossa história.
Helena Zarvos hzarvos@yahoo.com.br
Historiadora e Escritora. Sua família tem origens na Grécia.
Seus textos são: