Vandana Shiva
FÍSICA E AMBIENTALISTA
Data de Nascimento: 5 de Novembro de 1952
Local de Nascimento: Dehradum, India
Nacionalidade: Indiana
Entrevista
[SCOTT LONDON, para Insight-An Outlook] Vandana Shiva, uma das mais respeitadas cientistas e ativistas da Índia, é uma das líderes dos movimentos de defesa da sustentabilidade ambiental e justiça social. Ela coordena uma vasta gama de grupos populares e rurais, incluindo iniciativas de ampla divulgação para a preservação das florestas da Índia, programas sobre a biodiversidade dirigidos a diferentes coletividades, e campanhas que contam com uma ampla base de apoio contra o Banco Mundial. Uma grande parte do seu trabalho tem como alvo um certo tipo de desenvolvimento, e é a favor de sistemas de participação centrados no indivíduo. Ela também obteve uma considerável notoriedade no Ocidente, principalmente como escritora especializada em questões relativas à economia global e seus efeitos nas sociedades tradicionais. Ela escreveu mais de uma dúzia de livros, incluindo "Monocultures of the Mind" (Monoculturas da Mente), "Staying Alive" (Permanecendo Vivos), "Women, Ecology, and Development" (Mulheres, Ecologia e Desenvolvimento). Em 1993, ela recebeu o prestigioso prêmio Right Livelihood Award, também conhecido como o Prêmio Nobel alternativo. Quando conversei com ela, durante uma sua recente visita aos Estados Unidos, perguntei como o treinamento que ela recebeu como física e filósofa da ciência conduziram ao trabalho que ela está desenvolvendo atualmente, com relação a questões relativas à mulher, aos problemas sociais e ambientais.
Vandana Shiva: Eu estudei Física devido ao meu amor pela natureza; é aquilo que nos ensinam, quando somos jovens estudantes, que esse é o caminho para conhecer a natureza. Portanto, minhas explorações através da Física, na realidade, têm as mesmas margens das minhas viagens pela Ecologia, agora. Elas não são diferentes, na verdade. Com exceção do fato que há uma dimensão adicional de assistir a destruição ecológica, ver as próprias formas de sustento da vida, que nos permitem sobreviver nesse planeta, serem destruídas, e isso é o que me leva a fazer mais do que uma simples pesquisa ou indagação científica, isso é o que me faz me sentir compelida a agir e a intervir. Eu sou uma mulher. Filha de uma feminista. E neta de um avô feminista, e não acho que poderia ter evitado de me envolver nas questões da mulher. Não faço isso como uma espécie de carreira, ou profissão ou existência organizacional. É a minha própria essência de ser um ser humano. E quando me deparo com demasiados quebra-cabeças quanto ao modo como as explicações são fornecidas, quanto ao porque da existência de desigualdades, ao porque justamente as pessoas que, nesse mundo, dão o mais duro no trabalho são aquelas que acabam ficando mais pobres… simplesmente, não posso me omitir e deixar de tentar compreender porque as disparidades entre as pessoas estão aumentando, porque há mais pessoas sem teto, mais pessoas com fome no mundo, e todas essas questões de justiça, de ecologia, de indagação científica da natureza através da Física, na minha opinião, vêm das mesmas fontes que mobilizam o meu espírito. Num certo sentido, eu realmente não mudei, apenas continuei o meu percurso, na mesma estrada.
É pouco comum para uma mulher da Índia se interessar pela Física e seguir um doutorado neste campo? Você foi uma exceção, nesse sentido?
Eu era pouco comum, e de fato, ainda não posso imaginar o que me inspirou para estudar Física. Porém, desde os meus 9 ou 10 anos de idade, eu queria ser física. Eu queria ser como o Einstein. Ele era o meu herói. Eu não conhecia nenhum físico. Eu não conhecia nenhum cientista. Fui a uma escola de freiras que não oferecia Matemática ou Física avançadas. E eu me auto-ensinei essas matérias para poder entrar na Universidade. Mas acho que, como eu estava interessada em Física, foi mais fácil para mim estudar Física na Índia. Acho que as estruturas de exclusão são construídas mais sistematicamente na sociedade americana, por exemplo, de modo que as jovens estudantes interessadas em ciência acabam perdendo a própria confiança com o tempo. E as estruturas de exclusão funcionam contra elas. Nós (na Índia) temos outras estruturas de exclusão, mas não temos essas estruturas de exclusão com relação ao conhecimento científico moderno. Portanto, se uma mulher é capaz de seguir nessa direção, ninguém vai bloqueá-la em sua carreira. Ninguém define essa carreira como algo de inapropriado para a mulher. E, de certo modo, há mais mulheres que são matemáticas, doutoras, cientistas na Índia do que aqui nos EUA – mulheres em profissões que… aqui são de acesso mais difícil para as mulheres. Nós até já tivemos uma mulher chefe de Estado. É algo que esta sociedade ainda precisa alcançar.
É verdade. Então, você fez um mestrado em Física e, depois, prosseguiu com um doutorado em Filosofia da Ciência.
Prossegui interessada nos fundamentos da Teoria Quântica. Tinha começado como física nuclear. E fiquei mais sensibilizada com as implicações de um sistema nuclear relativas ao meio-ambiente e à saúde, e apesar do fato que eu estivesse sendo treinada para ser a primeira mulher trabalhando num reator criador rápido na Índia — e eu me encontrava naquele reator justamente na primeira vez que ele passou por um momento crítico — e foi muito excitante… esse tipo de cisão entre o aspecto de segurança do sistema nuclear e a excitação intelectual… não podia me sentir à vontade com aquilo. Assim, passei a me dedicar à Física Teórica. Cursei meu mestrado em Partículas Elementares, mas os fundamentos de Partículas Elementares são a Teoria Quântica, e havia problemas conceituais em demasia com relação à Teoria Quântica, para poder estar à vontade. Portanto, decidi…. trabalhar nos fundamentos da Teoria Quântica… e foi nessa área que fiz meu Ph.D. Nunca abandonei a Física por achá-la entediante. Deixei a Física porque outras questões se tornaram mais importantes. Sempre digo a mim mesma… e tenho 60 anos… gostaria de voltar àquilo que interrompi.
Quais foram algumas das questões que a compeliam, naquela época?
No começo… a primeira questão que me compelia era uma ruptura muito estranha entre o fato que a Índia tinha um nível de desenvolvimento científico muito alto… Estávamos em terceiro lugar, no mundo, quanto ao número de cientistas e, apesar disso… a pobreza assustadora, e a equação linear que tinha sido feita, de que quanto mais ciência, maior seria o progresso, a eliminação da pobreza… Porque isso não estava ocorrendo? Algo estava errado. Algo era diferente. Dessa forma, a compreensão do contexto social da ciência e da tecnologia começou a se tornar um de meus imperativos. O outro era o fato que, nas áreas onde eu tinha crescido e me criado, na Floresta do Himalaia, estava florescendo um movimento, chamado o "movimento de Chipko", no qual mulheres camponesas se manifestavam, abraçavam árvores, impedindo que as mesmas fossem derrubadas; meu pai tinha sido um profissional da floresta. Eu tinha me criado naquelas montanhas. Eu tinha visto a floresta desaparecer. Eu tinha visto córregos desaparecerem e eu, literalmente, acabei me atirando nesse movimento com as mulheres camponesas, começando a trabalhar com elas, tendo elas como minhas professoras em termos daquilo que a floresta significa, para uma mulher rural da Índia, em termos de lenha e remédios econômicos extraídos das plantas, além de todo os ricos conhecimentos. Ficou muito claro que meu pai, que era um trabalhador da floresta com treinamento científico, conhecia algo sobre o assunto, mas essas mulheres conheciam a fundo todos os cantos do seu ecossistema local. E sabiam muito mais sobre a diversidade local do que qualquer silvícola treinado jamais poderia saber. Portanto, eu aprendi com elas e trabalhei para elas. Eu escrevia os seus relatórios. Eu escrevia os seus contra-relatórios e é isso que me fez deixar o ensino universitário, começar um instituto chamado The Research Foundation for Science, Technology and Natural Resource Policy (Fundação de Pesquisa para a Política da Ciência, Tecnologia e Recursos Naturais). Um nome muito longo para um objetivo muito humilde, que é o de colocar a pesquisa efetivamente a serviço dos movimentos populares e rurais, e não apenas fazer de conta de servi-los. Não a serviço do faz-de-conta da sociedade. A pesquisa de governo já trabalha nesse sentido. Toda a pesquisa privada já trabalha nesse sentido. E eu vi se materializarem idéias, vi questões brilhantes surgirem desses movimentos, que precisavam de melhor articulação, que precisavam de elaboração, de análises mais sistemáticas. Foi o caminho que segui. E tem sido uma verdadeira aventura.
O interessante é que muito dessa ênfase, hoje em dia, no crescimento e desenvolvimento e progresso em geral, baseia-se na ciência e no pensamento científico. Embora você seja formada nessa área, você está se dedicando às alternativas a essas opções.
Bem, minha formação científica é, na realidade, uma formação muito crítica com relação à ciência mecanicista. A minha formação é em Teoria Quântica, a qual estava, já no começo do século, - tivemos todo um século — atrasada, de certa forma… absorvendo as transições súbitas que a Teoria Quântica provocava na mente humana. A idéia que as coisas, os objetos têm propriedades intrínsecas, de maneiras fixas, é uma idéia incorreta sobre o mundo. As propriedades são criadas através de relacionamentos e forças. Elas não são inerentes. Nos elétrons, de fótons, de quanta, assim como nas árvores, nos solos, e nas pessoas. Portanto, a minha crítica de uma ciência moderna que é reducionista, que é muito mecanicista é, na verdade, uma crítica que herdei de minha formação científica. Ela se aprofundou com minha experiência, com o modo como está ocorrendo a destruição ecológica. A minha evolução como ecologista e a minha leitura desse fato é basicamente a de que as estruturas dominantes da ciência são extremamente boas com relação a muitos objetos que têm funções únicas e objetivos externos. Assim, se você quiser que uma vaca deixe de ser uma vaca, para ser uma máquina de leite, podemos fazer um trabalho muito bom, criando novos hormônios, como o hormônio de crescimento dos bovinos. Isso poderá deixar a vaca muito doente, isso poderá deixar a vaca viciada em drogas, poderá até causar pânico nos consumidores quanto aos aspectos da saúde e segurança do leite produzido, mas estamos tão habituados a manipular objetos, organismos e ecossistemas para obter um único objetivo, que eu chamo de "Monocultura da Mente", e dentro do âmbito das monoculturas, naturalmente, isso parece muito inteligente. Mas na dimensão múltipla, no âmbito da diversidade, isso é extremamente grosseiro, porque aquilo que perdemos com esse processo foi o gado como fonte de energia, fonte de energia sustentável. Na Índia, isso significou que os programas de cruzamento estão imitando as "colinas de leite" das vacas ocidentais, como as Jerseys e as Holsteins, e descartam a capacidade dos animais de puxarem arados e carretas. Em consequência, através dos programas de cruza, temos um gado sem corcunda, mas também sem energia. E se considerarmos o gado tanto como fonte de adubo orgânico, energia animal, assim como de laticínios, o gado da Índia não é absolutamente inferior. É só quando medimos as cabeças desse gado como se fossem máquinas de leite que se tornam inferiores. Mas quando foi que medimos as vacas leiteiras da América, ou de Jérsei, ou dos Alpes Suíços, em termos de suas funções de trabalho? Elas seriam dramaticamente inferiores, se tivéssemos o objetivo de energia para a melhora do gado. Dessa forma, o desenvolvimento mono e unidimensional cria a monocultura da mente. A monocultura da mente tem se tornado uma espécie de profecia auto-realizável da melhoria. E esta é a causa do porque opusemos o valor dos títulos e ações contra a ecologia, a sustentabilidade, contra a justiça.
Nós temos a tendência de justificar essas monoculturas em nome do crescimento do desenvolvimento humano.
Bem, deixe-me elaborar um pouco mais. Se dizemos que algo deve crescer porque o povo precisa de mais alimentos, de mais moradias, o povo precisa de mais carne, o povo precisa de mais leite, podemos fazer as coisas crescer de um certo modo, embora estejamos criando variáveis externas, de modo que haverá escassez em coisas relacionadas. Assim, haverá escassez de água potável quando se polui o solo com nitratos. Haverá escassez de diversidades quando se criam imensas plantações de milho do mesmo tipo ou cepa, de modo que quando uma doença atinge a plantação, como ocorreu nos anos 70, nos EUA, todas as plantações de milho desse país foram dizimadas; foi aí que, pela primeira vez, os EUA compreenderam o valor da diversidade na agricultura, e começou a discussão sobre os recursos genéticos e conservação. Assim, quando se leva em consideração o conjunto do sistema, as maneiras de desenvolvimento numa certa direção podem, na verdade, criar diferentes formas de escassez, de forma que não estaremos obtendo "mais". Todo o sistema de produção ecológica, no modo como existe, teve como justificativa a criação de mais mercadorias, a alimentação de um número maior de pessoas, de providenciar necessidades adicionais, mas ele destrói uma quantidade maior dos recursos que necessitamos para satisfazer todas essas necessidades múltiplas. Assim, a enorme destruição e a escassez de recursos para os pobres e o acesso aos recursos estão intimamente relacionados. Se passamos a ter uma percepção ecológica, se passamos a ter uma percepção das diversidades, percebemos que alguns dos instrumentos dos quais nos orgulhamos muito são, na realidade, extremamente primitivos para o trato com a natureza. E, na minha opinião, essa é a verdadeira lição da consciência ecológica, neste fim de milênio.
Estou entrevistando a ecologista e filósofa Vandana Shiva. Ela é a autora de muitos livros, incluindo "Staying Alive" (Permanecendo Vivos), "Monocultures of the Mind" (Monoculturas da Mente), e "The Future of Progress" (O Futuro do Progresso). Este é o programa "Insight — an Outlook". Aqui fala Scott London.
Você disse que a questão mais crucial que o mundo enfrenta neste fim de milênio é um problema duplo: a necessidade de sustentabilidade ecológica e de justiça social. E para você esses dois problemas estão muito inter-relacionados. Todavia, acho que muitos americanos não acreditam que essas questões tenham relação entre si. Como você sabe, temos a tendência de considerar a justiça social como algo bastante diferente da sustentabilidade ecológica.
Para mim, as duas questões estão intimamente ligadas, em parte porque minhas lições sobre ecologia realmente se originam com as "margens" da sociedade indiana, a qual constitui 70% da Índia, vivendo diretamente dependente dos recursos nacionais. Pode ser a biodiversidade, pode ser a terra, pode ser a floresta, a água. 70% da Índia são compostos de produtores agrícolas. A natureza é o meio de produção dessa população, a injustiça é o mesmo que a destruição ecológica, quando a floresta é destruída, quando o rio é represado, quando a biodiversidade é roubada, quando os campos são alagados, ou tornados salinos como resultado de atividades econômicas. Acho que, globalmente, atingimos um estágio no qual precisamos encontrar as soluções para a injustiça econômica, no mesmo lugar e nas mesmas maneiras onde encontramos as soluções para a sustentabilidade. A sustentabilidade a nível ambiental e a justiça em termos de cada pessoa ter um lugar no sistema de produção e consumo — trata-se do mesmo fenômeno, e precisam ser reintroduzidos no modo de pensar. Eles foram artificialmente separados.
Bem, algo em que você tem trabalhado muito, e que eu gostaria de abordar… o seu trabalho com relação a patentes e o seu projeto de conservação de sementes.
Sim, existe…. atualmente, e trata-se de um fenômeno que começou nos Estados Unidos… está havendo uma reivindicação no sentido de patentear formas de vida, biodiversidade e as inovações de outras culturas. Por exemplo, a patente do pesticida proveniente da árvore "nim" da Índia, ou o uso de um arbusto chamado "philantus neruri", ou um exemplo ainda mais descarado, o uso da açafroeira da Índia para curar ferimentos, que é algo conhecido e praticado em todas as casas por todas as mães e avós, e agora, o Mississippi Medical Center alega ter descoberto essa propriedade da planta de curar ferimentos.
Sim, você está certa com relação a isso. Você descreve um exemplo muito dramático; alguns americanos, na realidade, vão para a Índia e trazem de volta aquilo que geralmente chamamos de… remédios populares…
Ciência indígena. Na realidade, trata-se de inovações através da ciência indígena.
É um conhecimento que existe entre os povo por muitas e muitas gerações.
Absolutamente. É um conhecimento que é patrimônio comum. E, segundo os sistemas de patentes, ninguém poderia patentear o que existe como patrimônio prévio comum. O sistema de patentes dos EUA é um tanto perverso. Em primeiro lugar, esse sistema não trata a arte prévia de outras sociedades como patrimônio comum. Assim, qualquer pessoa dos EUA pode ir ao exterior, averiguar o uso de uma planta medicinal ou encontrar uma semente utilizada por um agricultor, voltar aos EUA, alegar de que se trata de uma invenção, reivindicar isso como uma invenção, obter uma patente e obter os direitos de exclusividade de uso do produto ou processos que estão relacionados com aquele conhecimento. Eu chamo esse fenômeno de Biopirataria e Pirataria Intelectual.
Quais são alguns dos outros exemplos disso? Você mencionou a árvore "nim"…
Neruri… Acabei de ser informada que a Nestlé patenteou a produção de polal. Como você sabe, usamos o polal para maquiar os olhos… antes de nos darmos conta, todo o uso tradicional de plantas, de processamento de alimentos, será uma patente de propriedade de alguma corporação ocidental. Para mim, isso é um absurdo. É pior do que o comércio de escravos. Porque o que está sendo transacionado é o próprio conhecimento que torna possível a sobrevivência para 80% desse mundo. 80% das pessoas deste planeta vivem da biodiversidade e… isso cria uma situação na qual os usos tradicionais e comuns praticados pelas pessoas, através do tempo, se torna um monopólio — de um punhado de corporações: as corporações farmacêuticas, as corporações de negócios agrícolas, as corporações agro-químicas, que em seguida, tornam as pessoas incapazes de suprir as suas próprias necessidades, forçando cada agricultor a comprar as sementes exclusivamente desses fornecedores, ou a pagar 80% em royalties, fato que já está acontecendo neste país. Trocas diretas estão começando a ser tratadas como crime e como roubo, como uma infração. Ou cada vez que alguém precisa de um controle pesticida biológico, em vez de usar a própria semente do próprio quintal, passará a depender da graça ou das corporações. Esse tipo de dependência basicamente significa um aumento da pobreza e da destruição ecológica.
Como você, e as mulheres com as quais você trabalha reagem a isso?
Ah, nós temos um programa de múltiplos níveis de resistência. O primeiro é desafiar essa situação, como uma questão moral, ética, exatamente como o tráfico de escravos foi desafiado. Não se pode negociar pessoas. Não se pode comprar o conhecimento das pessoas. É ilegítimo e não deveria ser feito. O Segundo consiste em trabalhar com alternativas legais. Um dos movimentos que desenvolvemos consiste em dizer que, assim como os direitos de propriedade intelectual são relevantes à invenção individual, o que precisamos são direitos comuns para proteger a herança intelectual comum dos povos. Povos indígenas. E esses são direitos reconhecidos pela convenção de diversidades biológicas. Estamos trabalhando para certificar-nos de que esses se tornarão os fundamentos de nossa jurisprudência… que essas idéias são a base sobre a qual as nossas leis relativas aos direitos de propriedade intelectual serão formadas. Como nos dirigimos dos movimentos populares ao governo nacional, e à Organização Mundial do Comércio… basicamente, o que isso significa é que tudo em nossas campanhas é muito multidimensional, e essa é uma parte do divertimento... O trabalho é no sentido da resistência e criatividade. É uma ação mais construtiva, sem deixarmos de dizer "não".
Você admira certos aspectos do trabalho de Gandhi, em termos de sua ênfase na não-cooperação pacífica, etc…
De fato, quando começamos a fazer esses desafios, chamamos o processo de "Sementes de satyagraha"*. Satyagraha quer dizer luta pela verdade. Satyagraha era a ação direta em não-cooperação. Quando os britânicos tentaram criar monopólios para o sal, Gandhi foi à praia, em Dandee, apanhou um pouco de sal e disse: a natureza nos deu o sal de graça. Para o nosso sustento. Não permitiremos que ele se torne um monopólio para financiar os exércitos imperiais. Nós fizemos exatamente esse tipo de ação com relação à biodiversidade e às sementes, essa rica diversidade biológica com as quais a natureza nos presenteou. Não permitiremos que isso tudo se torne o monopólio de um punhado de corporações. Manteremos isso tudo como a riqueza da natureza e a riqueza dos povos e a base de sua prosperidade e a base de seu sustento e, para nós, não cooperar com os regimes de monopólio dos direitos de propriedade intelectual, patentes e biodiversidade diz mais a respeito das patentes sobre a vida e o desenvolvimento de idéias intelectuais de resistência… é um prosseguimento do princípio de "satyagraha" de Gandhi. Manter a vida em sua diversidades é a satyagraha para o próximo milênio. É com isso que o movimento ecológico precisa se empenhar, não apenas na Índia, mas nos EUA, onde as pessoas que acreditam na liberdade das idéias deveriam se empenhar, onde quer que estejam, porque o mundo das idéias está sendo fechado, por meio das novas leis sobre patentes, numa situação onde os professores universitários não podem mais ensinar livremente a seus alunos porque receberam algum tipo de bolsa de alguma corporação e os produtos de suas mentes são propriedade daquela corporação.
Estávamos falando do Gandhi há alguns minutos. Quem são seus outros modelos ideais?
Como disse antes, Einstein foi seguramente um grande modelo para mim. Hoje em dia, ouço rumores de que ele se fazia de engraçadinho com as mulheres e de que era bastante desagradável com a sua esposa. Talvez, se eu tivesse sabido disso tudo, ele não teria sido o meu herói… eu também faço esculturas, às vezes, quando tenho tempo, e a primeira escultura que eu fiz foi justamente o busto do Einstein e suas irmãs. Está em cima de minha mesa. Ainda me inspira, porque, na realidade, o Einstein que eu conheci foi realmente a pessoa que desencadeou a minha imaginação, as minhas idéias. Gandhi foi a outra fonte de inspiração, porque eu acredito que Gandhi foi a única pessoa que conhecia a verdadeira democracia. Não falo da democracia como o direito de sair e comprar o que se quer, mas a democracia como responsabilidade em relação a toda a coletividade. A democracia para que o indivíduo seja realmente livre, livre em termos sociais, livre da fome, livre do desemprego, livre do medo, livre do ódio, para mim essas são as liberdades reais, nas quais as sociedades humanas se baseiam. As mulheres de Chipko são fontes de inspiração verdadeiras para mim. E pessoas como S. Guna, que participou de Chipko. Com o tempo, tendo trabalhado por muitos anos num certo número de questões… há realmente uma quantidade de pessoas criativas no mundo todo, que inspiram constantemente com suas interações, que é o que contribui para tornar esse tipo de trabalho excitante.
Geralmente, você tem esperança de poder mudar as coisas?
Bem, tenho absoluta confiança de que as coisas vão mudar. Creio que veremos muita destruição, mas acredito que se pudermos ver os padrões corretos, e tirar as lições certas dessa destruição, poderemos ser capazes de reconstruir, antes que seja tarde demais. Também, eu tenho aquele tipo de otimismo essencial e, mesmo que não sejamos capazes, a própria vida se reconstruirá por si mesma. E, de certo modo, se a economia global poderá ter um colapso, Gaia não… a capacidade inventiva das pessoas não, e assim reconstruiremos a sociedade, reconstruiremos as economias locais, reconstruiremos as aspirações humanas, e o tipo de monocultura global, na qual todos se sentem paralisados, e cada um se sente como se tivesse que correr cada vez mais depressa só para ficar no mesmo lugar… Acho que teremos um desencanto com o glamour do sonho da globalização. Isso posso ver acontecendo antes mesmo que o presente milênio acabe.
Eu estava falando com a física e ecologista da Índia Vandana Shiva. Ela é diretora da Research Foundation for Science, Technology and Natural Resource Policy (Fundação de Pesquisa para a Política da Ciência, Tecnologia e Recursos Naturais), em Deradaan, Índia. Entre os seus vários livros se incluem: "Monocultures of the Mind" (Monoculturas da Mente), "Staying Alive" (Permanecendo Vivos), "Women, Ecology and Development" (Mulheres, Ecologia e Desenvolvimento)
Quem é?
Física, ambientalista, ecofeminista e mundialmente conhecida.
2010 - present
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