Arthur Chioro
MINISTRO DA SAÚDE - GOVERNO 'DILMA'
Data de Nascimento: 5 de Dezembro de 1963
Local de Nascimento: Santos, SP
Nacionalidade: Brasileira
Histórico
Arthur Chioro é um político, médico sanitarista, professor universitário e atual Ministro da Saúde. Mestre em Saúde Coletiva pela Unicamp e doutor em Ciências da Saúde pela Unifesp, Chioro já foi secretário da Saúde de São Vicente/SP (Baixada Santista), diretor do Departamento de Atenção Especializada e consultor da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). É a segunda vez que ocupa a presidência do Cosems-SP.
Em 2010, o Ministério Público do Estado de São Paulo (MPE) deu entrada à ação civil pública contra a lei complementar nº 1.131/2010, que permite aos hospitais públicos geridos por Organizações Sociais de Saúde (OSs) destinar até 25% dos seus leitos e serviços para planos de saúde e particulares. A lei da Dupla Porta, como é conhecida, é do ex-governador Alberto Goldman (PSDB), obteve aprovação da Assembleia Legislativa e foi regulamentada em julho de 2011 pelo atual governador Geraldo Alckmin (PSDB).
A ação do MPE responde à representação de diversas entidades da sociedade civil, entre as quais o Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo. Em assembleia realizada na cidade de Santos, em 31 de março, o Cosems-SP votou por unanimidade contra a lei paulista. O Cosems-SP representa os 645 municípios do estado.
“A lei 1.131/2010 é uma política Robin Hood às avessas, tira dos mais pobres para dar às empresas privadas de saúde e aos mais abastados”, denuncia o médico Arthur Chioro, atual presidente do Cosems-SP e secretário de Saúde de São Bernardo do Campo, no Grande ABC. “Reduz em até 25% a capacidade dos hospitais públicos que hoje já é insuficiente para atender aos usuários do SUS. É uma afronta às constituições estadual e federal. É uma lei anti-SUS [Sistema Único de Saúde].”
“Em fevereiro deste ano, durante audiência, os sete prefeitos do ABC pressionaram o secretário estadual de Saúde [Guido Cerri] contra a lei 1.1.31/2010”, revela Chioro. “Ele tranquilizou-os, dizendo que os hospitais mantidos pelo estado no ABC por meio de OSs não entrariam nessa lógica de vender leitos e serviços para planos de saúde e particulares. Disse também que estava pensando em adotar essa política para o Icesp e o Brigadeiro. Foi o que aconteceu. Eles são as jóias da coroa, que aliviarão os custos dos planos privados de saúde e todos os cidadãos paulistas pagarão por isso.”
Chioro presenciou a audiência. O Icesp é o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo. O Brigadeiro é o atual Instituto de Transplantes do Estado de São Paulo “Dr. Euryclides de Jesus Zerbini”. São hospitais públicos de alta complexidade, seguramente de ponta nas respectivas áreas.
Sugerimos que leiam a entrevista dele ao VIOMUNDO na íntegra. Depois, respondam nos comentários: a lei paulista que reserva leitos dos hospitais públicos para usuários de planos de saúde e particulares é ética?
Entrevista
Confira, abaixo, a entrevista feita pelo site VIOMUNDO com Arthur Chioro, em 2011.
[site www.VIOMUNDO.com.br por Conceição Lemes] O senhor costuma dizer que a lei 1.131/2010 é uma política Robin Hood às avessas. Por quê?
Arthur Chioro: O Robin Hood tirava dos ricos para dar aos pobres. A lei 1.131/2010 faz o oposto. Tira dos pobres para dar à classe média alta, aos planos privados de saúde. Por isso eu a chamo de Robin Hood às avessas. Ela rompe o princípio da equidade, que é um dos princípios do SUS: cuidar mais de quem precisa.
De que maneira?
De duas formas. Primeiro, na fonte, na origem. Depois, no acesso aos hospitais públicos de alta complexidade.
De que modo na origem?
Peguemos a situação do Icesp e do Brigadeiro, que é o atual Instituto de Transplantes, os primeiros hospitais geridos por OSs a receber autorização da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo para vender até 25% da sua capacidade.
O paciente não pode ir direto para nenhum dos dois. Só vai para um hospital de alta complexidade se for encaminhado pelo médico que o atendeu no consultório particular, no caso de ser cliente privado ou de plano de saúde. Ou, se for SUS, pela Central de Regulação do Sistema Único de Saúde, quando atendido na unidade básica de saúde ou no serviço público especializado.
Assim, o paciente SUS para ser atendido tem de passar primeiro por uma unidade básica ou pela equipe da Saúde da Família. Na hipótese de a avaliação física ou os exames laboratoriais iniciais levantarem a suspeita de câncer ou a necessidade de transplante, ele é encaminhado para um serviço especializado. Aí, serão pedidos novos exames para descartar ou fechar o diagnóstico e fazer o estadiamento do tumor se a suspeita for câncer.
Só com o diagnóstico confirmado esse serviço poderá solicitar o encaminhamento para o Icesp para cirurgia, quimioterapia, radioterapia e acesso à assistência farmacêutica. Ou a inclusão na fila de transplantes e uma vaga para o Instituto de Transplantes.
Já o paciente particular ou de plano faz logo os exames complementares e o diagnóstico é fechado rapidamente por seu médico que o atende na clínica privada ou da empresa médica e que muitas vezes pertence ao corpo clínico desses hospitais. Todos nós que atuamos na gestão em saúde sabemos o quanto é determinante para garantir acesso ao hospital a intervenção do próprio médico, que acaba criando mecanismos de microrregulação e controlando o acesso aos leitos muito mais do que as centrais de regulação de leitos.
Assim, acabará ocorrendo acesso mais rápido e privilegiado dessa clientela ao Icesp e ao Instituto de Transplantes, como já se observa em hospitais públicos universitários. Ao arrepio da lei, eles mantêm a dupla porta para os planos de saúde. A experiência demonstra que essa situação acabará ocorrendo. E, dessa maneira, os principais equipamentos construídos e comprados com recursos públicos, passam a ser ocupados por uma clientela privada, aliviando os custos dos planos de saúde e a classe média alta e da elite que pode pagar por serviços particulares.
Quanto tempo leva, em média, para o usuário do SUS fazer toda a peregrinação: agendar consulta, fazer exames, receber resultados, ir ao especialista, fazer exames confirmatórios…?
Pode levar meses, pois a rede pública é insuficiente para atender à demanda. No serviço público, há um verdadeiro gargalo na atenção especializada. Já o paciente particular ou de plano privado pode ter o diagnóstico fechado em uma ou duas semanas. Por isso, a lei 1.131/2010 cria, de cara, já na origem, na fonte, uma desigualdade de acesso.
Aliás, o diagnóstico rápido é muito bom para as operadoras de saúde suplementar [planos e seguros de saúde], pois elas podem repassar mais depressa a conta para o sistema público pagar ou aliviar os custos que seriam muito maiores se esse paciente fosse acompanhado em serviços privados. Além disso, é mais vantajoso para as operadoras de planos de saúde utilizar uma rede pública de excelência do que investir na construção e manutenção de serviços privados.
Essa maior demora não pode retardar o tratamento e influir no prognóstico?
Pode, pois de saída o paciente SUS demora mais para ter o diagnóstico fechado. Mas não é o único obstáculo no seu caminho. Depois, feito o diagnóstico, demora para conseguir vaga num hospital de alta complexidade, pois é o grande gargalo da rede pública de saúde.
E agora, com a nova lei, a situação tende a piorar. Como os serviços já são insuficientes para atender à demanda dos usuários do SUS, com a venda de até 25% dos leitos e serviços dos hospitais de alta complexidade, haverá menos vagas. O que significa mais tempo de espera para o paciente SUS iniciar o tratamento.
No caso de câncer, dependendo da agressividade do tumor, essa postergação poderá exigir tratamento mais agressivo, cirurgia mais mutilante e aumentar a mortalidade. Isso não é justo! Não é à toa que os protocolos internacionais preconizam que entre a suspeita de um diagnóstico de câncer e o início do tratamento devem transcorrer 45 dias, no máximo. Em alguns tipos de tumores, um tempo ainda menor.
Mas os defensores da lei 1.131/2010 alegam que os pacientes SUS não serão prejudicados.
Balela. Vamos supor que um hospital público tenha 200 leitos destinados ao SUS, o que corresponde a 100% de sua capacidade operacional. Com a nova lei, até 50 vagas poderão ser comercializadas com a iniciativa privada.
O que vai acontecer? Em vez de 200 vagas para o SUS, serão 150. Se as 200 já eram insuficientes, o que dirá 150, concorda? Ou seja, a lei 1.131/2010 vai diminuir o acesso do paciente SUS a um serviço de alta complexidade e de excelente qualidade quando ele precisar. E o que já é demorado vai demorar mais ainda.
O senhor é totalmente contra o atendimento de usuários de planos de saúde e particulares em hospitais públicos de excelência?
O SUS produziu avanços enormes, inegáveis. Só que historicamente a rede pública de saúde trabalha com subfinanciamento e tem uma série de restrições. A rede de serviços ainda é insuficiente para dar conta do crescente número de usuários e das mudanças no padrão de necessidades em função das condições de vida, como o envelhecimento e a violência.
Eu, no entanto, não sou xiita. Se nós tivéssemos vagas sobrando, aí, poderíamos, sim, imaginar o que fazer com a capacidade ociosa e negociar um valor diferente para usuários de saúde suplementar, buscando maior otimização e melhor relação custo/benefício. Mas essa não é a realidade. Na atual situação, é restringir o acesso de quem precisa – o usuário do SUS — para quem deveria ter isso contratualmente – os clientes de plano privados.
Explique melhor isso.
Ao contrário do que muita gente acredita equivocamente, os hospitais públicos de alta complexidade no Brasil são excelentes. No caso de São Paulo, são referência nacional. Tanto que quando alguém precisa de um tratamento de ponta vai geralmente para esses serviços públicos. Já a rede privada de hospitais com capacidade de realizar tratamentos de primeira linha é pequena, insuficiente, limitada e caríssima para as operadoras de planos de saúde.
O que acontece? Na hora de vender, os planos privados estabelecem a lógica de mercado: cobram mensalidades caríssimas dos seus clientes para oferecer os hospitais particulares topo de linha. Porém, na hora de pagar a conta, querem dividir o custo com o sistema público de saúde, que é universal e gratuito. Não é raro o paciente de plano privado ter de fazer uma cirurgia X ou Y no hospital público pelo SUS, porque o seu plano não cobre o procedimento ou porque na rede privada não há quem o faça. Ou seja, não cumprem o que está no contrato. Tiram, portanto, vaga do paciente do SUS.
Com a possibilidade de o Icesp e do Instituto de Transplantes venderem até 25% dos serviços, como ficará a situação?
Os planos privados terão interesse em fazer com rapidez os exames, fechar o diagnóstico e passar logo o paciente para um desses hospitais públicos, dependendo da doença. É uma maneira de empurrar para o sistema público de saúde o financiamento da privada, de aliviar os seus custos.
De que modo já que os planos terão de pagar de qualquer jeito os tratamentos de câncer e os transplantes?
Aí está um dos pulos do gato. Pagarão, é verdade, mas bem menos do que se esses procedimentos fossem realizados na rede privada de primeira linha. Eu explico. Os poucos serviços privados de qualidade que podem tratar câncer e realizar transplantes custam muito caro. Assim, se esses serviços fossem prestados na rede privada, as operadoras de planos teriam de gastar muito mais do que vão pagar agora ao Icesp e ao Instituto de Transplantes. Então aquilo que é caro, onera o lucro do empresário, vai ser dividido pelos paulistas como um todo. Isso é inconcebível para o sistema público.
Mas os defensores da lei dizem que o atendimento de usuários de planos privados seria uma forma de levar dinheiro para a instituição e, assim, ampliar a assistência aos pacientes do SUS.
Essa é outra balela. É um falso argumento para a privatização desses hospitais. Quanto desse dinheiro de convênio e particular financiará o hospital? Quanto irá para o pagamento dos médicos, enfermeiros e demais profissionais da equipe? Os recursos captados serão utilizados para ampliar o gasto em saúde ou para aliviar o déficit público? É sabido que a Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo precisa operar um ajuste de R$ 950 milhões em 2011 para fechar o seu orçamento.
Sei que alguns vão rebater dizendo que os hospitais públicos recebem pela tabela SUS, que é muito baixa. Só que os hospitais de ensino, os hospitais de alta complexidade, como é o caso do Icesp e do Instituto do Transplantes, recebem recursos do tesouro estadual e são custeados também com recursos diferenciados do Ministério da Saúde. Há muito tempo a tabela do SUS não é mais utilizada como referência para financiá-los. Mais precisamente desde 2004, quando foi estabelecida a política nacional para reestruturação dos hospitais de ensino.
Querem ressarcir os gastos com pacientes de planos de saúde que são tratados gratuitamente pelo SUS? Ótimo. Os secretários municipais de Saúde são favoráveis. A lei atual que regula o ressarcimento ao SUS tem realmente muitas deficiências. Vamos aperfeiçoar as regras do jogo. Vamos pressionar a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para estabelecer um sistema de regulação mais eficiente para o ressarcimento.
O governador Geraldo Alckmin e a bancada federal paulista, de todos os partidos, têm força política suficiente para ajudar o Ministério da Saúde e o Conselho Nacional de Saúde a enfrentar esse debate e aperfeiçoar a lei que regulamenta os planos de saúde, onde está previsto o ressarcimento. Se a questão é mesmo financiamento, vamos também mobilizar senadores e deputados de todos os partidos em Brasília para aprovar a emenda 29 e uma fonte de financiamento permanente e suficiente, para que definitivamente haja recursos para a saúde.
Mas isso tem de ser decidido a priori. E não selecionar a clientela dos planos de saúde pra vir ocupar as vagas dos pacientes dos SUS. Eu não vejo nenhuma argumentação plausível para aceitar essa lei estadual, que já está sendo aplicada em dois hospitais. Tirar de quem precisa para financiar indiretamente o Estado e aliviar o caixa das operadoras de planos de saúde, valha-me meu Deus!
Desde o ano passado, quando o ex-governador Goldman encaminhou à Assembleia o projeto dessa lei, eu ouço o boato de que o foco dela seriam principalmente o Icesp e o antigo Brigadeiro…
Foi o que aconteceu. Isso já estava previsto. Em fevereiro deste ano, durante audiência, os sete prefeitos do ABC pressionaram o secretário estadual de Saúde [Guido Cerri] contra a lei 1.1.31/2010. Ele tranquilizou-os, dizendo que os hospitais mantidos pelo estado no ABC por meio de OSs não entrariam nessa lógica de vender leitos e serviços para planos de saúde e particulares. Disse também que estava pensando em adotar essa política para o Icesp e o Brigadeiro. Não deu outra. Eles são as jóias da coroa, que aliviarão os custos dos planos privados de saúde e todos os cidadãos paulistas pagarão por isso. Não consigo, entretanto, imaginar que ficará restrita aos dois hospitais. Eu só consigo entender essa lei como uma política de Robin Hood às avessas. É tirar dos pobres para dar aos abastados, para a classe média alta, para aqueles que têm plano de saúde. É uma perversão da lógica, que objetiva a desestruturação do SUS, um sistema universal, baseado na equidade e na integralidade.
Aposto que a essa altura usuários de planos devem estar querendo fazer a seguinte pergunta ao senhor: considerando que o SUS é um sistema universal, ao qual todo brasileiro pode ter acesso, por que eles não poderiam ser também atendidos nesses hospitais públicos de excelência e alta complexidade?
Eu não vejo problema no atendimento, desde que entrem na mesma fila dos pacientes do SUS, que haja igualdade de oportunidades. Não é o que acontece e nem o que os usuários dos planos querem. Como estão pagando, querem ter o privilégio de serem atendidos primeiro. Aí, há uma fila para os pacientes do SUS e outra para a dos convênios e particulares. Estes, como eu já disse, vão ser atendidos logo. Para os do SUS a espera será bem mais longa.
O fato de o Icesp e o Instituto de Transplantes terem sido as primeiras instituições autorizadas a negociar os 25% significa o quê?
O que está pela frente?
Sim.
Restrição de acesso à população.
E por trás?
A dupla porta, a privatização. Os interesses de vários setores envolvidos nessa questão.
E agora que lei foi regulamentada e já está em prática?
No dia a dia, como secretário da Saúde de São Bernardo do Campo e presidente do Cosems-SP, tenho tido um excelente diálogo com a Secretaria Estadual de Saúde, pactuando várias políticas de interesse para o SUS e para os municípios paulistas, estabelecendo parcerias com o governo do Estado, assim como já temos com o Ministério da Saúde. Mas nessa questão da lei 1.131/2010 não há acordo.
Ela é uma afronta às constituições estadual e federal, ao SUS. O caminho possível agora é tentar derrubá-la na Justiça. A sociedade paulista vai ter também de se envolver nessa discussão, pois vai interferir diretamente na assistência à saúde dela. Para nós, é impossível aceitar essa política anti-SUS, que é uma conquista de todos os brasileiros.
2010 - present
2010 - present