CELSO DE MELLO NEGA PEDIDO DE ANULAÇÃO
POR Felipe Recondo, para JOTA.Info
Segunda-feira, 13 de Julho de 2015
O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), indeferiu o pedido de liminar assinado por 102 deputados de quatro partidos para anular a votação em primeiro turno da proposta de emenda constitucional que reduz a maioridade penal.
Em sua decisão, o ministro afirmou que não vislumbra no caso a necessidade urgente de uma medida liminar, pois a PEC precisa ser votada em segundo turno, o que só ocorrerá no segundo semestre.
“Esse dado oficial permite vislumbrar, ao menos em sumária cognição, a descaracterização do requisito concernente à ocorrência de qualquer dano potencial, especialmente se se considerar que o início iminente do recesso parlamentar (CF, art. 57, “caput”) parece efetivamente afastar a possibilidade de o procedimento ritual de reforma constitucional pertinente ao art. 228 da Carta Política concluir-se de imediato na Câmara dos Deputados, ainda que o segundo turno de discussão (não, porém, de votação) possa ter lugar nesta última semana do primeiro semestre legislativo”, justificou o ministro.
Ao final da decisão, proferida às 23h50 de sexta-feira (10/07), o ministro argumentou que a concessão da liminar apenas restauraria o cenário anterior. A Câmara não estaria, portanto, impedida de retomar a votação, a depender dos termos da decisão.
“No caso em exame, a eventual concessão do presente mandado de segurança não resultará frustrada, pois, com o deferimento do “writ”, restaurar-se-á o “status quo ante”, com a desconstituição do ato cuja realização deu ensejo ao ajuizamento desta ação mandamental”, escreveu o ministro.
Entretanto, o cenário e a conclusão do STF podem mudar caso haja novo mandado de segurança quando da votação da emenda em segundo turno. Conforme indicou o ministro, o pedido poderá ser renovado pelos deputados “se e quanto restar configurada, efetiva e realmente, situação caracterizadora de periculum in mora”.
No pedido protocolado na quinta-feira (09/07), o grupo de 102 deputados argumentava que a votação da proposta resultou de uma manobra ilegal do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
A Câmara havia rejeitado a redução da maioridade num dia e, menos de 24 horas depois, uma emenda aglutinativa sobre o mesmo tema foi levada a votação. Do texto foram retirados crimes como tráfico de drogas, terrorismo, tortura e roubo qualificado. A proposta, mais branda do que a anterior, foi então aprovada.
Veja abaixo a íntegra da decisão ministro Celso de Mello, que presidia o STF em razão do recesso do Judiciário e da ausência do presidente, ministro Ricardo Lewandowski.
MEDIDA CAUTELAR EM MANDADO DE SEGURANÇA 33.697 DISTRITO FEDERAL
RELATOR IMPTE.(S) ADV.(A/S)
IMPDO.(A/S) PROC.(A/S)(ES)
MIN. GILMAR MENDES :DARCISIO PAULO PERONDI E OUTRO(A/S) : FELIPE MONNERAT SOLON DE PONTES
RODRIGUES E OUTRO(A/S) :MESA DIRETORA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
DECISÃO DO SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Esta decisão é por mim proferida em face da ausência eventual, nesta Suprema Corte, dos eminentes Ministros Presidente e Vice-Presidente, justificando-se, em consequência, a aplicação da norma inscrita no art. 37, I, do RISTF.
2. Trata-se de mandado de segurança, com pedido de medida liminar, impetrado, em litisconsórcio multitudinário, contra a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, com o objetivo de invalidar o ato deliberativo que submeteu ao exame do Plenário daquela Casa legislativa “a Emenda Aglutinativa no 16”, que veio a ser aprovada no âmbito do procedimento ritual de tramitação da PEC 171/93, que dispõe sobre a redução do limite etário para fins de imputabilidade penal.
Por entender de alta conveniência e de elevada prudência ouvir-se, previamente, a Mesa Diretora da Câmara Deputados, tal o relevo da controvérsia jurídica suscitada nesta sede mandamental, pretendia requisitar-lhe informações antes de qualquer decisão, viabilizando-se, desse modo, o contraditório e permitindo-se ao Supremo Tribunal Federal um conhecimento mais amplo da matéria e das razões que antagonizam os sujeitos desta relação processual.
Ocorre, no entanto, que o Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, em nome da Mesa Diretora, antecipou-se à prévia requisição de informações, produzindo-as nestes autos na data de hoje às 16h39.
Em referidas informações oficiais, o Senhor Presidente da Câmara dos Deputados destacou a inocorrência de situação caracterizadora de “periculum in mora”, pois expressamente esclareceu que a votação em segundo turno da PEC 171/93 somente ocorrerá no segundo semestre do corrente ano, o que claramente afasta qualquer risco ao direito vindicado pelos ora impetrantes.
Vale reproduzir, nesse sentido, fragmento das informações prestadas pelo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados:
“(…) os impetrantes buscam propositadamente o plantão do Poder Judiciário, mesmo ausente urgência alguma, considerando que o segundo turno da votação só ocorrerá depois do recesso parlamentar, como já divulgado pela Presidência da Câmara dos Deputados.” (grifei)
Esse dado oficial permite vislumbrar, ao menos em sumária cognição, a descaracterização do requisito concernente à ocorrência de qualquer dano potencial, especialmente se se considerar que o início iminente do recesso parlamentar (CF, art. 57, “caput”) parece efetivamente afastar a possibilidade de o procedimento ritual de reforma constitucional pertinente ao art. 228 da Carta Política concluir-se de imediato na Câmara dos Deputados, ainda que o segundo turno de discussão (não, porém, de votação) possa ter lugar nesta última semana do primeiro semestre legislativo.
Essa é a razão pela qual não vislumbro ocorrente, ao menos neste momento, o requisito concernente ao “periculum in mora”, pois tenho presente que as declarações emanadas de agentes públicos, como o eminente Presidente da Câmara dos Deputados, gozam, quanto ao seu conteúdo, da presunção de veracidade, consoante assinala o magistério da doutrina (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, “Curso de Direito Administrativo”, p. 373, item n. 59, 13a ed., 2001, Malheiros; MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, “Direito Administrativo”, p. 182/184, item n. 7.6.1, 20a ed., 2007, Atlas; DIOGENES GASPARINI, “Direito Administrativo”, p. 63, item n. 7.1, 1989, Saraiva; JOSÉ CRETELLA JÚNIOR, “Direito Administrativo Brasileiro”, p. 54, item n. 43, 1999, Forense; JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO, “Manual de Direito Administrativo”, p. 116, item n. 2, 12a ed., 2005, Lumen Juris).
Esse entendimento – que põe em evidência o atributo de veracidade inerente aos atos emanados do Poder Público e de seus agentes – é perfilhado, igualmente, pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (RTJ 86/212 – RTJ 133/1235-1236 – RTJ 161/572-573, v.g.), notadamente quando tais declarações compuserem e instruírem, como na espécie, as informações prestadas pela própria autoridade pública:
“– As informações prestadas em mandado de segurança pela autoridade apontada como coatora gozam da presunção ‘juris tantum’ de veracidade.” (MS 20.882/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
É importante rememorar, neste ponto, que o deferimento da medida liminar, resultante do concreto exercício do poder cautelar geral outorgado aos juízes e Tribunais, somente se justifica em face de situações que se ajustem aos pressupostos referidos no art. 7o, III, da Lei no 12.016/2009: a existência de plausibilidade jurídica (“fumus boni juris”), de um lado, e a possibilidade de lesão irreparável ou de difícil reparação (“periculum in mora”), de outro.
Sem que concorram esses requisitos – que são necessários, essenciais e cumulativos –, não se legitima a concessão da medida liminar, consoante enfatiza a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
“Mandado de segurança. Liminar. Embora esta medida tenha caráter cautelar, os motivos para a sua concessão estão especificados no art. 7o, II da Lei no 1.533/51, a saber: a) relevância do fundamento da impetração; b) que do ato impugnado possa resultar a ineficácia da medida, caso seja deferida a segurança.
Não concorrendo estes dois requisitos, deve ser denegada a liminar.” (RTJ 112/140, Rel. Min. ALFREDO BUZAID – grifei)
De qualquer maneira, no entanto, o reconhecimento da situação configuradora de “periculum in mora” sujeita-se à constatação adicional de um fato necessário: o de que a ausência de sustação liminar do ato impugnado possa provocar “a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida” (Lei no 12.016/2009, art. 7o, inc. III – grifei).
Com efeito, a concessão de medida liminar em sede mandamental depende, na realidade, da cumulativa satisfação de três requisitos fundamentais: (a) a plausibilidade jurídica da postulação deduzida pelo impetrante; (b) a ocorrência de situação configuradora de “periculum in mora”; e (c) a caracterização de hipótese de irreparabilidade do dano.
Na verdade, a própria Lei no 12.016/2009, que disciplina o processo de mandado de segurança, prescreve que a outorga de referido provimento cautelar está sujeita à relevância do fundamento jurídico e ao reconhecimento de que do ato impugnado possa resultar “a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida” (art. 7o, n. III).
É por essa razão que LÚCIA VALLE FIGUEIREDO (“Mandado de Segurança”, p. 141, item n. 5.4.3, 6a ed., 2009, Malheiros) adverte que, para efeito de concessão da medida liminar, a ineficácia há de significar “a possibilidade de a decisão de mérito, no mandado de segurança, quedar-se inócua” (grifei).
Constata-se, pois, como salientam HELY LOPES MEIRELLES, ARNOLDO WALD e GILMAR FERREIRA MENDES (“Mandado de Segurança e Ações Constitucionais”, com atualização de Rodrigo Garcia da Fonseca, p. 93, item n. 12, 35a ed., 2013, Malheiros), que esse provimento de urgência legitimar-se-á, nos termos da legislação vigente, “quando houver fundamento relevante” e, também, se “do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida”, por revelar-se tal requisito indissociável da outorga da cautelar mandamental.
Isso significa, portanto, que, inexistente risco de irreversibilidade (a votação da PEC 171/93, em segundo turno, somente ocorrerá no segundo semestre, de acordo com as informações oficiais prestadas pelo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados), a medida liminar não se justificará, ao menos no presente momento, pois – tal como sucede na espécie – a alegada situação de dano potencial restará descaracterizada e totalmente afastada, se, a final, vier a ser concedido o “writ” mandamental, cujo deferimento terá o condão, até mesmo, uma vez formulado pleito nesse sentido, de invalidar e de desconstituir o ato impugnado.
Esse entendimento – que exige, além dos requisitos pertinentes ao “fumus boni juris” e ao “periculum in mora”, também a ocorrência de irreversibilidade do dano receado pela parte impetrante, em condições tais que tornem ineficaz a eventual concessão da ordem mandamental – encontra apoio em autorizado magistério doutrinário (CASSIO SCARPINELLA BUENO, “Liminar em Mandado de Segurança”, p. 119/124, item n. 1.2, 2a ed., 1999, RT; CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, “Manual do Mandado de Segurança”, p. 116, 3a ed., 1999, Renovar; SERGIO FERRAZ, “Mandado de Segurança, p. 247/248, item n. 23.1, 2006, Malheiros, v.g.).
Importante destacar, nesse sentido, ante a sua inquestionável procedência, a decisão proferida pelo eminente Ministro JOAQUIM BARBOSA (MS 31.299/DF): “O deferimento da medida liminar em mandado de segurança somente se justifica (i) ‘quando houver fundamento relevante’ [‘fumus boni iuris’] e (ii) ‘do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida’ (art. 7o, III, da Lei 12.016/2009) [‘periculum in mora’]. Tais requisitos são cumulativos e concomitantes, de modo que, na ausência de algum deles, não se legitima a concessão da liminar.” (grifei)
No caso em exame, a eventual concessão do presente mandado de segurança não resultará frustrada, pois, com o deferimento do “writ”, restaurar-se-á o “status quo ante”, com a desconstituição do ato cuja realização deu ensejo ao ajuizamento desta ação mandamental.
Desse modo, e tendo presente esse contexto que venho de referir, indefiro, por ora, o pedido de medida liminar, sem prejuízo, no entanto, de que esse pleito venha a ser renovado, se e quando restar configurada, efetiva e realmente, situação caracterizadora de “periculum in mora”.
Publique-se. Brasília, 10 de julho de 2015 (23h50).
Ministro CELSO DE MELLO (RISTF, art. 37, I)
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